Relatório do Tratamento Técnico do Acervo Museológico

Ecce Homo. Acervo Convento da Penha. Foto: Lorena Fraga, 2021.

O Convento da Penha é o principal ícone do Estado do Espírito Santo e um dos mais antigos monumentos do Brasil. Sua longa história remonta a meados do século XVI, com a chegada, em 1558, de Frei Pedro Palácios. Na ocasião ele trouxe consigo o painel de Nossa Senhora dos Prazeres, ou das Alegrias, pintura a óleo com refinamento de detalhes, rica em ornamentos e vestes e de grande expressividade representativa, atribuída à Escola Castelhana da época. Tão logo chegou, Frei Pedro cuidou da construção de pequena ermida, a Capela de São Francisco, no local conhecido como Campinho, em Vila Velha, dedicando-se depois à construção de nova capela no alto do morro, núcleo inicial do Convento de Nossa Senhora da Penha. Para lá transferiu o painel e colocou no altar a imagem vestida de Nossa Senhora, encomendada de Portugal. Dada a localização, no alto da pedra, a imagem assumiria a invocação de Nossa Senhora da Penha. Painel e escultura de Nossa Senhora são os primeiros componentes do acervo museológico do Convento da Penha, aos quais foram-se juntando novos itens, principalmente a partir do século XVIII.

Graças a voluntários dedicados ao Convento, que consideraram importante a preservação e divulgação desse acervo, a Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil, através de seu Departamento de Bens Móveis, coordenado pelo Frei Róger Brunorio, e o Convento da Penha, sob a guarda de Frei Paulo Roberto Pereira, em parceria com a Lei Aldir Blanc/Governo do Estado do Espírito Santo/Secretaria de Estado da Cultura/Ministério do Turismo/Governo Federal, realizaram o projeto Tratamento Técnico do Acervo Museológico do Convento da Penha.

Apesar do curto prazo – três meses –, 560 peças, cerca de 50% do total do acervo do Convento – esculturas e pinturas religiosas, mobiliário e objetos litúrgicos variados, datados a partir do século XVI e de grande valor histórico –, foram identificadas por meio de Inventário Técnico, tratadas com higienização e armazenamento em Reserva Técnica e digitalizadas por processo fotográfico. Além disso, várias peças fragmentárias tiveram suas partes reunidas e aguardam restauração.

Escultura de Nossa Senhora da Penha, pertencente ao
acervo do Convento da Penha. Foto Lorena Fraga, 2021.
Inventário na plataforma
Tainacan. Foto: Flávia Zanardini.

O Projeto, coordenado e executado pela museóloga Maria Clara Medeiros Santos Neves juntamente com o Conservador Celso Adolfo Salles Ramos e três assistentes: Flávia Zanardini (restauradora), Márcio Antonelli (artista plástico) e Felipe Silva de Barros (estudante de arquitetura), possibilitou dimensionar o acervo quantitativa e qualitativamente, proporcionando acesso ao conteúdo informacional de cada item para facilitar a comunicação entre a instituição e o público interessado, o que se concretizou pelo site oficial do Projeto. Está prevista a realização de exposições virtuais e presenciais em futuro próximo.

No que se refere à preservação, o trabalho incluiu organização do acervo e dos espaços de trabalho, preparação de Reserva Técnica, avaliação do estado de conservação, identificando-se as necessidades de cada peça para oferecer as melhores condições de preservação física por higienização, adequado acondicionamento e armazenamento em Reserva Técnica.

Acervo organizado para inventário e higienização. Foto: Maria Clara Medeiros Santos Neves, 2021.

Sobre o Trabalho

O trabalho consistiu de diversas etapas.

1) Organização inicial do acervo – distribuição do acervo em categorias no espaço de trabalho (sala de exposições, na Casa dos Romeiros).

Foto: Maria Clara Medeiros Santos Neves.
Foto: Maria Clara Medeiros Santos Neves.

2) Organização da Reserva Técnica – Desocupação, com retirada de todo o acervo que se encontrava dispenso e muito precariamente acondicionado. Com o espaço vazio, foi feita limpeza metódica com retirada de todo o entulho que obstruía o acesso, prosseguindo-se com a pintura e posterior isolamento da caixa d’água que serve aos bebedouros externos. Concluídas as primeiras intervenções, deu-se início à organização do espaço, com montagem das estantes, traineis e armários. Concluído esse trabalho, a Reserva Técnica passou a ser ocupada gradualmente à medida que o trabalho de Inventário, higienização e marcação ia avançando. Hoje, cada peça do acervo tem localização definida, e na distribuição considerou-se categoria, material e dimensões. Por fim, foi instalada grade para dificultar o acesso.

Foto: Márcio Antonelli, 2021.

3) Inventário preliminar do acervo – Compreendeu o preenchimento dos campos de identificação básica, com atribuição do Número de Inventário, Localização, Denominação, identificação de Classe/Subclasse e fixação de tags com número para posterior marcação.

4) Finalização do Inventário – Preenchimento dos demais campos do Inventário, incluindo identificação de local de origem, autoria, data de produção, materiais e técnicas de confecção, descrição detalhada das características físicas, medição e registro das dimensões, avaliação do Estado de Preservação, identificação de conjuntos, históricos e associação com o Inventário de 1997 do IPHAN.

O Inventário foi realizado com introdução dos dados na plataforma TAINACAN, integrada ao site. A plataforma possibilita a geração de relatórios/planilhas Excel, que podem ser exportadas para outras plataformas, e a realização de buscas por todos os campos/metadados do Inventário, o que em muito agilizou a execução do trabalho. Além disso, as informações do Inventário são automaticamente formatadas e disponibilizadas para os internautas à medida em que são publicadas.

Conferência de dimensões e fotografia da escultura de
Nossa Senhora da Penha. Foto: Celso Adolfo Salles Ramos.
Análise da tela Nossa Senhora das Alegrias para registro
no Inventário. Foto: Márcio Antonelli, 2021.

5) Avaliação do Estado de Conservação do Acervo – Consistiu na análise para identificação do Estado de Conservação com descrição do que motivou a classificação (bom, regular, ruim). A avaliação do estado de conservação identificou as necessidades de cada peça de forma a tornar possível a oferta de melhores condições de preservação, seja pela higienização, seja pelo adequado acondicionamento e armazenamento em Reserva Técnica previamente preparada para esse fim.

6) Confecção de almofadas para as prateleiras e embalagens para as peças – As almofadas, feitas com algodão cru pré-lavado e acolchoadas com acrilon, foram postas nas prateleiras para receber, sobre elas, as peças tratadas. As embalagens, também produzidas com algodão cru pré-lavado e TNT branco, foram confeccionadas uma a uma, de acordo com as dimensões de cada peça. Após embaladas, as tags foram deixadas de fora para facilitar a identificação.      

Avaliação de estado de conservação. Foto: Maria Clara Medeiros Santos Neves.

Higienização da tela Romaria noturna dos homens, de autoria de Marian Calixte. Foto: Felipe

7) Higienização – Tratando-se de um acervo múltiplo e em estado crítico de conservação e acondicionamento, com itens em fragmentários e desencontrados, como primeira ação preventiva estruturou-se a Reserva Técnica, prosseguindo-se com a análise do estado de conservação das peças, para então submetê-las à higienização, conforme a natureza do material e estado, tendo-se em vista interromper o processo de degradação.

De maneira geral, adotou-se a limpeza mecânica com trinchas de cerdas macias para remoção de poeira, cápsulas e fezes de insetos, observando-se no caso das fezes de cupins se estavam vivos ou não. depois dessa primeira remoção, quando necessário, recorreu-se ao algodão umedecido em água ou álcool, conforme o tipo de material, para depois proceder-se ao polimento com flanela.

Os objetos em metal passaram por higienização mecânica e química, além de lubrificação, para estancar o processo de oxidação e, finalmente receberam leve camada de cera protetora, sendo então polidas.

Os objetos em madeira estavam, em sua maioria, bastante ressecados, principalmente as peças de mobiliário.  Assim, todos foram higienizados e encerados com cera de carnaúba ou de abelha. No caso dos ex-votos, boa parte foi submetida a tratamento com cupinicida à base de água.

Os objetos de pedra, em pequeno número, foram higienizados com água e detergente neutro, enquanto nos vidros, aplicou-se álcool com bucha de Algodão.

Higienização, hidratação e polimento do arcaz.
Foto: Celso Adolfo Salles Ramos.

8) Marcação das peças – Após a higienização das peças, foi realizada a marcação utilizando-se verniz retouché e marcador branco ou preto, a depender da superfície da peça. A técnica empregada consistiu na aplicação de uma camada fina do verniz em parte oculta da peça, seguida da marcação com o ano de 2021 e número de inventário constante na tag, seguindo-se de nova camada do mesmo verniz.

Foto: Flávia Zanardini.

9) Digitalização fotográfica do acervo – Desenvolvida de forma a obter imagens em alta e baixa resolução destinadas às atividades relacionadas com segurança, identificação e divulgação do acervo. As imagens em alta resolução possuem qualidade para impressão, extensão JPG em 300dpi, e em 72dpi para publicação no site. Além as imagens em JPG mencionadas anteriormente, temos também os arquivos crus em formato NEF. Ao todo foram produzidas mais de 2.000 imagens das 560 peças processadas.

8) Criação do site – O site foi previsto no Projeto principalmente para facilitar a comunicação entre o Convento e o público interessado na cultura do Estado. Ele foi projetado de forma a facilitar a inserção dos dados e disponibilizá-los automaticamente para os internautas. A introdução de informações no Inventário é imediatamente visualizada pelo público logo após a publicação, sem que seja necessária nova etapa de introdução de dados e imagens no site. Frisamos que o site tem recursos que permitem a sua ampliação para atender a outras categorias de patrimônio, como no caso dos bens imóveis e também do patrimônio natural.

9) Reconstituição de peças fragmentárias – O frequente contato com o acervo nos trouxe familiaridade cada vez maior com os seus componentes, levando-nos a identificar peças com maior facilidade e também fazer associações de conjuntos. Durante o processo essa familiaridade foi-se expandindo para as peças fragmentárias, levando-nos a identificar e reunir partes que antes encontravam-se dispersas, num verdadeiro jogo de quebra-cabeças. Isso se deu com vários itens, como no caso de tocheiros de metal, anteriormente desmontados e com partes espalhadas por diversas caixas. Apoiados em alguns exemplares inteiros que foram encontrados em bom estado foi possível reconstituir vários outros semelhantes fragmentários. O mesmo ocorreu com o conjunto de vasos de alabastro, do século XIX: conseguimos reunir as partes de cinco deles, que foram acondicionadas em sacolas de TNT. Outro caso que causou impacto foi a identificação de partes de antigo lampadário que tinhas suas partes completamente dispersas, mas que, pela análise estilística foi possível reuni-las.